O cardápio imaginário da derradeira refeição de Jesus, elaborado segundo as pesquisas de uma jornalista culinária de origem judaica - e que a revista Gula sugere para o Natal.
Embora alguns leitores possam julgar curiosa a sugestão de preparar no Natal a última ceia de Jesus Cristo, ocorrida às vésperas de sua crucificação, não há o que estranhar. À luz da fé, sobram motivos para relembrar o martírio do fundador do cristianismo na festa de seu nascimento. Segundo os cristãos, Jesus veio ao mundo para viver e morrer pelos pecadores. Os Evangelhos contam que ele foi sepultado na noite de sexta-feira e, no domingo de manhã, a pedra do túmulo apareceu removida. Um anjo anunciou a sua ressurreição. Então, começaram as aparições que duraram 40 dias. Quando terminou de instruir os discípulos, Jesus subiu ao céu. Portanto, a reprodução de sua última ceia, nos festejos do Natal, serve para relembrar e glorificar aquele que é considerado, pelos fiéis, o redentor do gênero humano. A refeição derradeira aconteceu provavelmente no ano 33, um ou dois dias antes da Páscoa judaica. Alguns estudiosos a localizam durante o Seder, a primeira noite da celebração. Nela há uma cerimônia que envolve rituais religiosos e uma ceia festiva. O Novo Testamento informa que a refeição foi realizada na casa da mãe de São Marcos, em Jerusalém, possivelmente no local onde ainda hoje os turistas são levados para conhecer. Segundo o Evangelho de São Lucas, capítulo 22, versículos 7 a 20, Jesus deu instruções a dois discípulos mais próximos, São Pedro e São João, para que a preparassem. A Páscoa judaica comemora a libertação dos filhos de Israel após mais de dois séculos de escravidão no Egito. A cristã reinterpreta seu significado, celebrando a morte e a ressurreição de Jesus.
A questão é saber exatamente o que foi saboreado na última ceia. A jornalista de origem judaica Ruth Keenan, autora do livro 2000 Ans de Festins (Éditions de La Martinière, Paris, 1999), que pesquisou o tema, informa que Jesus e os discípulos comeram alimentos da liturgia hebraica: ervas amargas para relembrar o sofrimento que a escravidão causou ao povo hebreu; pão ázimo, ou seja, sem fermento, em memória da fuga do Egito, pois não havia tempo para a massa levedar; e carne de cordeiro, o pernil ou a paleta, obrigatória nas festas. Com base nessas informações, ela imaginou o cardápio da ocasião, ao qual acrescentou dois pratos. O primeiro foi um peixe de água doce, matéria-prima abundante na região e importante na dieta cotidiana; o segundo, uma sobremesa à base de frutas secas, especiarias e mel. Conforme Ruth Keenan, na Palestina do tempo de Jesus a população fazia duas refeições por dia: uma pela manhã, pouco antes do meio-dia, e outra à noite, mais substanciosa. Os alimentos eram temperados com açafrão, alho, anis, canela, cebola, cominho, cravo, gengibre, gergelim, louro, manjerona, orégano, noz-moscada e salsa. O trigo constituía alimento fundamental; a seguir, figurava a cevada. O pão de trigo ou de uma mistura de grãos e leguminosas e o mel de flores selvagens, de figueiras ou tamareiras, alcançavam grande difusão. Havia também abóbora, agrião, alcachofra, alho-poró, aspargos, couve e salsão frescos. Antes do consumo, alcaparras, azeitonas e pepinos estagiavam na salmoura. Não faltavam ervilhas, favas e lentilhas. Davam origem à sopa, preparação muito difundida. A ovelha e a cabra forneciam os principais tipos de leite. O de vaca, raro e caro, destinava-se às pessoas abastadas. Com o leite os habitantes da Palestina faziam creme, manteiga e queijo. As carnes mais apreciadas eram a de cordeiro e a de cabra, cozidas com alguma bebida alcoólica, ou assadas na brasa. Existiam várias frutas. No século I, o filósofo e historiador grego Plutarco elogiou a qualidade das romãs e as tâmaras da região. Outras frutas suculentas eram abricó, figo, uva e maçã. A noz tinha fama. Bebiam-se suco de fruta, vinho, cerveja e um licor feito com mel. Jesus nasceu em Belém, na Judéia, e cresceu em Nazaré, na Galiléia. Após a última ceia, foi traído por Judas Iscariotes e preso no Monte das Oliveiras, à leste da antiga Jerusalém, a mesma cidade na qual presidiu a derradeira refeição.